Pesquisadora da Unifesp e diretora da
Abed defende a criação de cursos superiores de graduação para formar
tutores, com o objetivo de apoiar e qualificar as atividades de educação
a distância
Paulo de Camargo
No
desenvolvimento de qualquer projeto de educação a distância, uma
miríade de competências de diferentes profissionais é demandada - da
concepção pedagógica à arquitetura da plataforma tecnológica. Mas, em
meio a tantas especialidades, cada vez mais se configura como
fundamental um profissional específico, que pode ser um professor, um
pesquisador ou um especialista de outra área: trata-se do tutor.
E
engana-se quem pensa que se trata de um profissional padrão. De perfil
tão diferente como são variadas as propostas de formação a distância,
encontrar e desenvolver um bom tutor tornou-se um desafio estratégico em
EAD. Isso é o que defende a pesquisadora Rita Maria Lino Tarcia.
Pedagoga,
doutora em semiótica e linguística, Rita é diretora da Associação
Brasileira de Educação a Distância (Abed) e coordenadora de projetos
acadêmicos e acompanhamento curricular da pró-reitoria de graduação da
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Às vésperas de publicar o
livro Guia Prático de Tutoria, pela editora Pearson, do qual é coautora, a pesquisadora conversou com a revista Ensino Superior
sobre as atribuições e características desse novo profissional e
defende a importância da qualificação dos tutores para o bom desempenho
dos cursos de educação a distância.
Ensino Superior: O que faz, afinal, um tutor? Qual é o perfil desse profissional?
Rita Tarcia: O termo tutor vem sendo utilizado para designar o profissional que acompanha a atividade de aprendizagem do aluno, estabelecendo uma relação mediada pela tecnologia, no ambiente virtual. A tutoria está, portanto, ancorada no projeto pedagógico do curso, o que torna muito difícil a definição de um único perfil e de uma única prática de tutoria. Depende de como o curso está organizado, das tecnologias utilizadas, da intensidade da interatividade, entre outras variáveis. Isso dificulta a definição de critérios específicos de tutoria desvinculados do curso onde o tutor vai atuar. Quando este perfil não é o mais coerente e adequado, pode causar uma complicação nos processos pedagógicos.
Rita Tarcia: O termo tutor vem sendo utilizado para designar o profissional que acompanha a atividade de aprendizagem do aluno, estabelecendo uma relação mediada pela tecnologia, no ambiente virtual. A tutoria está, portanto, ancorada no projeto pedagógico do curso, o que torna muito difícil a definição de um único perfil e de uma única prática de tutoria. Depende de como o curso está organizado, das tecnologias utilizadas, da intensidade da interatividade, entre outras variáveis. Isso dificulta a definição de critérios específicos de tutoria desvinculados do curso onde o tutor vai atuar. Quando este perfil não é o mais coerente e adequado, pode causar uma complicação nos processos pedagógicos.
Como qualificar a importância do tutor? O
tutor é aquele que se aproxima do aluno, e, portanto, dá alma ao curso.
Ele simboliza o lado prático do fazer da educação a distância: atualiza
o conhecimento, faz acontecer o que está planejado. O tutor representa
todo o processo quando interage com o aluno, e vem daí a necessidade de
que conheça o projeto e o processo do curso proposto. Outro papel
extremamente importante do tutor é garantir o retorno imediato ao aluno.
Ele é responsável pela avaliação do material, não para dizer se o
conteúdo está certo ou errado, mas para verificar o quanto ele é
significativo para o aprendiz. Muitas vezes, como os autores dos
conteúdos são grandes especialistas, pode-se pensar que não é adequado
que o tutor avalie o material. Mas quem tem a resposta imediata do aluno
é o tutor, e por isso ele deve se manifestar quanto às situações de
aprendizagem mais adequadas para aqueles estudantes, pois sabe coisas
que o especialista, o pedagogo, o webdesigner não sabem, e pode
retroalimentar o sistema.
Podemos considerar que o tutor deve ser necessariamente um educador?Essa
é uma questão importante, mas igualmente complexa. Se considerarmos que
educador é aquele que propicia a formação do outro, o tutor é, sim, um
educador. Se pensarmos no educador como um docente, pode ser que sim,
pode ser que não. O que é certo é que o tutor assume uma
responsabilidade na formação do aluno. Em muitos projetos pedagógicos,
existe a ideia de que o tutor é o professor que tem domínio do
conhecimento, que vai avaliar, ou seja, tem um papel de quem vai educar.
Mas há tanta diversidade em educação a distância que não dá para
afirmar que é sempre assim.
Apesar dessa diversidade, é possível falarmos em competências fundamentais de um bom tutor?Sim,
existem competências importantes para o tutor. A competência teórica é
importante, ou seja, ele precisa conhecer sobre a área, o curso que está
ministrando. Se tiver competência técnica prática, também ajuda. Em
EAD, trabalhamos muito com situações-problemas, e se o tutor conhecer
essa metodologia pode estabelecer um diálogo muito interessante com os
alunos, e esse é um dos principais elementos motivadores de um curso a
distância. Outra competência fundamental é a pedagógica. Em educação a
distância, lidamos com diferentes linguagens, e o tutor precisa saber
articular linguagens com o conhecimento, para criar situações, apontar
aspectos relevantes. Por fim, entendo também que o tutor precisa
desenvolver a competência tecnológica, que é saber utilizar os recursos
que sustentam aquele curso.
E como se desenvolvem essas caraterísticas? Como acontece a formação do tutor?Até
alguns anos atrás, falar de EAD era discutir tecnologia. Falava-se em
fazer educação a distância produzindo ambientes virtuais. Hoje estamos
resolvidos desse ponto de vista. Em seguida, veio a época de produzir
cursos. As instituições se mobilizaram para montar cursos com equipes
multidisciplinares, que também ficaram prontos. Agora, estamos em uma
etapa em que temos implantado diferentes cursos. Em EAD, isso significa
que um curso pode ter milhares de alunos, e para isso preciso de
tutores. Contudo, não existem cursos de graduação para formar tutores.
Existem alguns de especialização na área de EAD, e outros cursos com
focos em teoria ou em gestão de EAD, mas são poucos os voltados
especificamente para a prática. Temos identificado em vários projetos
que as próprias instituições vêm desenvolvendo seus programas de
formação.
O tutor é sempre necessário ou seria possível substituí-lo por um sistema computadorizado, por exemplo?Podemos
fazer uma distinção de três modalidades. Temos o tutor presencial, que
atende os alunos no polo em práticas presenciais, estágios, avaliação;
temos o tutor on-line, que acompanha o aluno durante todo o
processo no ambiente virtual, interagindo e acompanhando as atividades. E
temos também o tutor inteligente, assim chamado porque já temos
soluções de tecnologia que dão respostas ao aluno, dispensando o tutor.
Em minha opinião, pedagogicamente, quanto maior a perspectiva de
construção de conhecimento, baseado na visão crítica e no diálogo, mais
fundamental é a presença do tutor. Já o tutor inteligente atende
situações em que se precisa trabalhar com repetição e memorização de
conceitos previamente estabelecidos, cujas respostas serão programadas,
baseadas em protocolos e taxinomias. São, dessa forma, usos pontuais e
em situações específicas.
A função de tutor não vem atraindo os docentes universitários também?Sim,
um outro caminho que também identificamos nas instituições de ensino
superior é a migração de docentes, que acabam assumindo a tutoria de
cursos on-line. A prática da tutoria, além de desenvolver
competências que são alinhadas ao cenário mundial, como a colaboração em
rede, torna o docente um profissional mais competitivo. Essa atuação
também amplia o seu raio de possibilidades profissionais para além do
ambiente acadêmico, já que no mundo corporativo há um número grande de
processos de e-learning. Mas essa ainda é uma categoria
profissional em fase de definição, e não podemos saber como será seu
desenvolvimento. Sabemos que existem muitos profissionais chegando de
diferentes áreas para trabalhar com tutoria. Contudo, mesmo que saibam
usar a tecnologia, nem sempre eles conseguem se organizar para tudo
isso, pois a ideia de virtual não é daquilo que se pode fazer em horas
vagas. Ao contrário, tem a ver com ter disponibilidade para o trabalho
com a simultaneidade das atividades on-line e com a capacidade edar
retorno para os alunos de forma muito ágil. É um mundo novo que estamos
vivendo.
Como você vê o desenvolvimento de EAD no Brasil?A
EAD está ainda em crescimento e em expansão. Identifico uma maturidade
maior nos processos e na atuação dos profissionais, mas a cada nova
solução de tecnologia para essa modalidade novos desafios surgem e novas
descobertas precisam ser feitas, por esse motivo, acredito que estamos
em processo contínuo que certamente será ampliado de acordo com o
aumento da oferta de tecnologia no país.
Há um perfil mais ou menos comum dos alunos que aproveitam melhor as oportunidades de formação a distância?Acredito
que todos nós estamos aprendendo a ser estudantes digitais. Mesmo os
jovens que apresentam muita familiaridade com as tecnologias, nem sempre
sabem exatamente como agir e como estudar distância. Nos nossos
estudos e considerando a nossa experiência de 15 anos podemos inferir
que o estudante que se propõe a fazer um curso a distância precisa ser
organizado e disciplinado, ter força de vontade e motivação pessoal para
realizar o curso, estar aberto a novas descobertas e novas formas de
aprender, ser participativo e colaborativo e ter tempo para realizar as
leituras, participar dos fóruns e outras situações educativas propostas
no curso.
Por fim, como surgiram os tutores? Há uma história para essa nova função?Na
maioria dos cursos sempre houve um profissional que respondia às
demandas dos estudantes. O perfil desse profissional variava de acordo
com o nível, características e área dos cursos. Com o uso da modalidade
nas instituições de ensino superior, o professor responsável pelas
práticas educativas a distância passou a ser também chamado de tutor. No
mundo corporativo, ou no e-learning, já é possível identificar
a figura de diferentes profissionais com uma maior aproximação da ideia
de tutor. Cabe destacar que o aumento da oferta de cursos de diferentes
níveis na modalidade a distância trouxe uma grande demanda para os
tutores que, neste momento, estão no centro das discussões de EAD.
Comentários