UnB
Em
depoimento à UnB Agência, Josinaldo da Silva, indígena da tribo Atikum,
conta como foi sua trajetória desde o sertão pernambucano até a
formatura em um dos cursos mais concorridos do Brasil
Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB
Cristiano Torres - Da Secretaria de Comunicação da UnB
A 85ª
turma de Medicina da UnB marcou um feito inédito: entre os novos médicos
estava o primeiro a ser formado pelo vestibular indígena. Josinaldo da
Silva, representante da tribo Atikum, no sertão pernambucano, é o
símbolo de um projeto de diversidade promovido pela UnB nos últimos dez
anos. Engajado com a causa de seu povo, Josinaldo pretende usar o
conhecimento adquirido na UnB no programa Saúde da Família, que leva
saúde diretamente às comunidades.
No depoimento
concedido à UnB Agência, ele conta que sonhava em ser médico desde que
começou a trabalhar como agente de saúde, aos 22 anos, mas a falta de
opções em sua região fez com que ele estudasse Matemática. Foi a criação
do vestibular específico para indígenas na UnB que possibilitou a
realização de um sonho. "As informações são mais difíceis na aldeia. Um
grupo de colegas veio à capital em 2005 e descobriu as cotas", conta. Me
interessei de imediato. Com o curso de Medicina, poderia contribuir
mais com a minha aldeia". Leia abaixo trechos do depoimento de
Josinaldo.
Chegada a Brasília
Confesso que quando passei, não acreditei. A ficha demorou um pouco a cair. Foi no início de 2006. Vim com uma colega e aqui me reuni com um grupo de indígenas de outros cursos. Éramos 13 cotistas ao todo: além da Medicina, havia estudantes de Enfermagem, Nutrição, Biologia e Farmácia. Foi muito difícil no início. Precisamos pagar um aluguel caro, não tínhamos referências, conhecidos, ninguém que se dispusesse a ser fiador. Além disso, tínhamos uma bolsa de R$ 900. Todo mundo sabe que isso é pouco para a cidade. Nossa salvação foi a Dona Socorro, que nos acolheu na 706 Norte e agiu como um anjo. Era paciente e compreensiva, nos apoiava quando a bolsa atrasava e sempre negociava os pagamentos.
Confesso que quando passei, não acreditei. A ficha demorou um pouco a cair. Foi no início de 2006. Vim com uma colega e aqui me reuni com um grupo de indígenas de outros cursos. Éramos 13 cotistas ao todo: além da Medicina, havia estudantes de Enfermagem, Nutrição, Biologia e Farmácia. Foi muito difícil no início. Precisamos pagar um aluguel caro, não tínhamos referências, conhecidos, ninguém que se dispusesse a ser fiador. Além disso, tínhamos uma bolsa de R$ 900. Todo mundo sabe que isso é pouco para a cidade. Nossa salvação foi a Dona Socorro, que nos acolheu na 706 Norte e agiu como um anjo. Era paciente e compreensiva, nos apoiava quando a bolsa atrasava e sempre negociava os pagamentos.
A adaptação na cidadeEu
preciso ser sincero. Estou aqui desde 2006, mas nunca me adaptei. Acho
que nunca vou me adaptar. Brasília é agradável, tem um ambiente gostoso,
é uma cidade tranqüila, mas é muito fechada. Eu estranho ainda viver
num apartamento. A gente que é do mato sempre sente falta da natureza. É
o nosso mundo, sabe.
Primeiras impressões da UnB
Foi outro momento difícil, pois tudo é estranho. A gente não conhece ninguém, não tem amigos. Acaba que passei, como outros colegas indígenas, muitos momentos de isolamento. E existe o preconceito, que ninguém admite, mas acontece. Quando era apresentado, a reação era sempre a mesma: “Você é índio, que legal, como é a vida lá na aldeia?”. Mas na hora dos trabalhos de grupo, nas conversas do intervalo, ficava sempre de lado ou por último.
Foi outro momento difícil, pois tudo é estranho. A gente não conhece ninguém, não tem amigos. Acaba que passei, como outros colegas indígenas, muitos momentos de isolamento. E existe o preconceito, que ninguém admite, mas acontece. Quando era apresentado, a reação era sempre a mesma: “Você é índio, que legal, como é a vida lá na aldeia?”. Mas na hora dos trabalhos de grupo, nas conversas do intervalo, ficava sempre de lado ou por último.
O preconceito
Eu mesmo nunca ouvi, mas alguns colegas me relataram casos de professores que reclamavam por dar aulas para índios. Alguns colegas reagiram escondendo que eram cotistas. Com o perdão da expressão, acho isso uma sacanagem. Tem que enfrentar o preconceito, senão não supera a barreira. Temos de firmar o compromisso com nosso povo. E se começa uma conversa estranha, atravessada, eu corto na hora. Não permito prosperar.
Eu mesmo nunca ouvi, mas alguns colegas me relataram casos de professores que reclamavam por dar aulas para índios. Alguns colegas reagiram escondendo que eram cotistas. Com o perdão da expressão, acho isso uma sacanagem. Tem que enfrentar o preconceito, senão não supera a barreira. Temos de firmar o compromisso com nosso povo. E se começa uma conversa estranha, atravessada, eu corto na hora. Não permito prosperar.
Apoio de colegas e professores
É verdade que eu fiz poucos amigos. Mas esses são verdadeiros. Eles me ajudaram a transpor várias barreiras, me apoiaram no início, ajudaram nos estudos durante os primeiros semestres, quando precisei me adaptar ao ritmo da Universidade, a compreender bem toda a teoria que a medicina tem. O conhecimento nas aldeias é muito prático. A gente sabe que a coisa funciona, mas não sabe como. Na UnB é diferente, precisei estudar muito e o apoio dos colegas foi fundamental.
É verdade que eu fiz poucos amigos. Mas esses são verdadeiros. Eles me ajudaram a transpor várias barreiras, me apoiaram no início, ajudaram nos estudos durante os primeiros semestres, quando precisei me adaptar ao ritmo da Universidade, a compreender bem toda a teoria que a medicina tem. O conhecimento nas aldeias é muito prático. A gente sabe que a coisa funciona, mas não sabe como. Na UnB é diferente, precisei estudar muito e o apoio dos colegas foi fundamental.
Alguns
professores também são inesquecíveis. A Yolanda Galindo Pacheco e a
Jussara Rocha Ferreira, da Anatomia, além de excelentes mestras, vestiam
a camisa do grupo, defendiam as cotas e os cotistas. Elas apoiaram
muito a nossa causa. Punham a mão no fogo pela gente. O professor Carlos
Eduardo Tosta também foi importante, ele tinha uma sensibilidade, que
eu chamaria de espiritual, e muito respeito pela tradições
indígenas.
O futuro imediato
Agora estou lutando pela Residência. Não é fácil, mas tenho fé que tudo dará certo. Estou disputando uma vaga lá no Hospital de Planaltina. Quero seguir o caminho da Saúde da Família, é o que mais pode contribuir com a minha comunidade.
Agora estou lutando pela Residência. Não é fácil, mas tenho fé que tudo dará certo. Estou disputando uma vaga lá no Hospital de Planaltina. Quero seguir o caminho da Saúde da Família, é o que mais pode contribuir com a minha comunidade.
Meu objetivo é voltar
pra aldeia tão logo termine a formação. É um acordo que faz parte do
convênio da Fundação Nacional do Índio (FUNAI), mas é mais do que isso, é
um compromisso meu com o meu povo, com os Atikum, minha origem e minha
razão de estudar. O índio é o que pode cuidar melhor da saúde do índio,
compreende os costumes, conhece a tradição. Um índio tem todas as
condições de cuidar de uma tribo, reunindo o saber da universidade com o
saber tradicional. É esse o meu objetivo.
Todos os textos e fotos podem ser utilizados e reproduzidos desde que a fonte seja citada. Textos: UnB Agência. Fotos: nome do fotógrafo/UnB Agência.
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